Entre o protocolo e o turismo, a visita de Barack Obama produziu constrangimento e tietagem. Mas não só, obviamente. De positivo, o simbólico, um propalado recomeço na relação diplomática com o Brasil, desgastada nos últimos dois anos em razão do Irã. Mas a senha para uma nova agenda entre Washington e Brasília foi dada por Dilma Rousseff, antes mesmo de tomar posse, ao classificar como “uma coisa muito bárbara” a pena de apedrejamento para a iraniana Sakineh Ashtiani, acusada de adultério. Não poderíamos esperar algo diferente de quem insiste em ser chamada de presidenta. De quebra, fez um aceno à Casa Branca.
De concreto, a vinda de Obama trouxe muito pouco. Dos memorandos de entendimento firmados em Brasília, sobraram intenções ainda muito distantes de gestos. Nada mencionou a respeito da sobretaxa ao álcool brasileiro, por exemplo. Sobre a reforma da ONU, tema caro ao Itamaraty, falou em “apreço” à aspiração do Brasil de se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança – declaração divulgada à vera pelo esforço retórico da diplomacia nacional.
No Rio, Obama decepcionou não só por cancelar a fala a céu aberto na Cinelândia, mas também por desfilar um discurso com referências dignas de samba-enredo. E ainda arrematou com Paulo Coelho. Duro. É forçoso perceber que o autodeclarado mago nos projeta no mundo. Seria justo Dilma devolver com Stephenie Meyer, quando for a Washington. Ficaríamos pau a pau.
Obama também teria se saído melhor se não tivesse autorizado o envolvimento dos EUA no ataque à Líbia justamente num país que se absteve de aprovar a operação, no Conselho de Segurança. Sempre polida, a diplomacia brasileira esperou o presidente americano partir para divulgar nota pedindo cessar-fogo no país árabe.
Pelo que se sabe, até agora, o melhor da visita coube mesmo a Dilma. Ao lado de Obama, ela foi assertiva e elegante na defesa dos interesses do Brasil, destacando as barreiras aos produtos nacionais e criticando indiretamente a desvalorização do dólar favorecida pelo Fed, o banco central dos EUA. O pragmatismo venceu a simpatia.
Obama pôde respirar no Brasil uma popularidade que há muito se esvai na terra natal, onde acumula omissões e recuos que vão de Wall Street a Guantánamo. Muitas vezes é refém das chantagens de uma oposição feroz, com bafo cada vez mais rente a sua nuca. Um quadro muito diferente de quem chegara à Casa Branca como um novo Trajano do Império Americano, como notou à época o antropólogo Mércio Gomes, capaz de posicionar os EUA no mundo “com uma cara mais suave, menos guerreira, mais negociadora e até mais ética e utópica”. Mas sorriso cativante de Obama não bastou.
Abaixo do Equador, isso tem pouca importância. O presidente e a primeira-dama americanos são sedutores e foram correspondidos com entusiasmo por autoridades e empresários, que se acotovelaram para apertar suas mãos, e, claro, pelo povão, com quem a empatia parecia imediata. Obama e Michelle têm ginga. Mas nem tudo foi festinha.
O ostensivo aparato de segurança do “homem mais poderoso do mundo”, como repetiu à exaustão nossa mídia, impõe a ele restrições absurdas, e aos anfitriões, constrangimentos inaceitáveis. Foi especialmente embaraçoso ver ministros como Guido Mantega e Aloizio Mercadante passarem pela revista de agentes americanos à entrada do centro de convenções onde Obama falaria a empresários, em Brasília. Lembrou o caso do chanceler de FHC Celso Laffer, que no auge da histeria pós-11 de setembro foi obrigado a tirar os sapatos para entrar nos EUA. Lula sempre se referiu ao caso com desdém, afirmando que se fosse ministro seu estaria na rua. O que pensa Dilma?
No Rio, com apoio das forças de segurança nacionais, os agentes dos EUA também estenderam a truculência à Cidade de Deus, onde tentaram proibir até mesmo o institucionalizado banho de sol na laje, enquanto Obama estivesse por lá em sua visita relâmpago. O esculacho seria maior não fosse o protesto da comunidade, representada pela Cufa (Central Única das Favelas). O Itamaraty tem algo a aprender com o orgulho dos favelados. Talvez possa ajudar a CIA a perceber que Obama e família estão mais seguros fora do que dentro dos EUA.
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